News
Ministério Público apura denúncias de internos em comunidade terapêutica na Bahia
O Ministério Público da Bahia (MP-BA) informou que vai apurar as denúncias de internos da Fundação Doutor Jesus, que fica em Candeias, na Região Metropolitana de Salvador, que relataram uma rotina de castigos com banho de 25 segundos e dias comendo apenas arroz. O assunto foi revelado pelo Fantástico, no domingo (19).
A Fundação Doutor Jesus é uma das comunidades terapêuticas que recebem dinheiro do Poder Público para acolher dependentes químico.
Dados obtidos por meio do portal transparência Bahia apontam que o Instituto de Defesa dos Direitos Humanos Doutor Jesus recebeu da Secretaria Estadual de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social mais de R$ 85 milhões, entre os anos de 2015 e 2022.
Só em 2020, foram mais de R$ 16 milhões, e em 2021, mais de R$ 19 milhões. Ao todo, nesse período, foram 69 repasses. Os três maiores foram em fevereiro deste ano, em dezembro e em maio do ano passado.
Os recursos são para a execução do Projeto Ararat Cinco, que visa o acolhimento de mil pessoas, usuárias de álcool, crack e outras drogas.
“Regulamentar o que elas fazem sem o orçamento público é uma discussão, regulamentar o que elas fazem com o dinheiro público é uma discussão muito mais difícil, muito mais rigorosa que a gente tem que ter”, disse o antropólogo e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Maurício Fiore.
Em Itabuna, no sul do estado, o Instituto Aconchego dá assistência a 40 dependentes químicos, de forma gratuita. O período de tratamento dura entre nove e doze meses e os acolhidos têm direito a cinco refeições por dia com acompanhamento com profissionais de diversas áreas, como psicólogos e psiquiatras.
“Temos um assistente social, educador físico, e mais outros grupos que estão sempre conosco: dois médicos voluntários e também participamos da rede de assistência ao dependente químico”, contou o diretor-executivo do instituto, Gilvan Nunes.
O Instituto Aconchego é uma das oito comunidades terapêuticas contempladas pelo programa Bahia Viva, da Secretaria Estadual de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social. Juntas, essas comunidades vão receber quase R$ 9 milhões (8.980.986,32) para o tratamento de 200 pessoas.
Vinte e cinco em cada uma delas, dependentes de álcool e drogas, em situação de vulnerabilidade e risco social, durante os próximos dois anos.
Sete das oito instituições já tiveram os nomes divulgados. Todas essas instituições contempladas pelo programa Bahia Viva têm em comum o fato de serem consideradas comunidades terapêuticas.
Elas atendem critérios exigidos pelo governo federal como ter salas de atendimentos individual e coletivo, alimentação indicada por nutricionista, atenção à saúde e acompanhamento de profissionais.
O manual proíbe castigos físicos, psíquicos ou morais, mas o governo do estado também firma parcerias com organizações da sociedade civil conforme prevê a Lei 13.019 de 2014. O texto normatiza por exemplo a relação entre a administração pública e instituições religiosas que atendam pessoas em risco ou vulnerabilidade social.
Denúncia no Fantástico
É nesta legislação que está ancorada a parceria entre o governo da Bahia e a Fundação Doutor Jesus, alvo de denúncia do Fantástico. Os relatos são de repressão sexual, castigos como redução drástica na alimentação e tortura.
Entre as denúncias, estão as de que uma sirene avisa que está na hora do banho dos homens, que é coletivo. E os indisciplinados são submetidos a humilhações. Um dos internos contou quanto tempo dura o banho. No total, são vinte e cinco segundos. As informações e imagens são do G1-BA.
Um outro paciente carrega uma plaquinha no pescoço. A placa diz: “aluno desligado”. Aluno é como a instituição chama o interno. Esse homem anda com essa plaquinha porque saiu da instituição, mas quis voltar. Por isso, ele é um “repetente”.
Os repetentes e os internos que a instituição considera indisciplinados ficam em um espaço chamado de “corredor”. “Corredor é onde ficam os meninos bagunceiros. Fica o dia todo só lendo a Bíblia. Você não sai do corredor para nada. Só pra ir ao banheiro e beber água; na hora do café, do almoço e da janta”, explica um dos internos.
Ele diz ainda que os internos são punidos com redução drástica de comida. “Tem vários tipos de regras. Tem a disciplina. Aí come só arroz por três dias, dependendo da gravidade do que a pessoa fez. Já fiquei oito dias”, afirma o interno.
Os internos também denunciaram casos de homofobia e transfobia dentro da fundação. Os gays dormem em quartos separados dos heterossexuais e são xingados até “virarem homens”.
Em um vídeo gravado por um interno, na comunidade, o deputado-federal Pastor Sargento Isidório (Avante), o mais votado nas últimas eleições na Bahia, foi flagrado em discurso homofóbico.
“Cabelinho quer rapar! Vai procurar um jegue, sacana. Você nasceu foi macho, rapaz”, disse o deputado. Em outro momento, ele afirma que pessoas trans são diabólicas.
“Você deixou o diabo lhe enganar. Você deixou o médico cortar o seu pé de sofá. Ela pensa que tem ‘bilau’. O diabo diz ao homem que ele pode ser mulher, aí ele se veste todo, bota silicone…”, contou.
Com um facão na mão, ele também zombou da medicina. “Seu psiquiatra chegou”, cantou o pastor.
Ao Fantástico, o deputado-federal afirmou que presta consulta pastoral voluntária para os internos e que perguntas técnicas devem ser feitas para a instituição. Os questionamentos foram feitos, mas não foram respondidos.