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Primeira mulher piloto do Afeganistão sobrevoa preconceitos
De óculos de aviador e andar confiante na pista, Niloofar Rahmani está sendo chamada de “Top Gun Afegã” ao encarar o duplo desafio de integrar um universo exclusivamente masculino num dos países mais conservadores do mundo.
Ela é a primeira mulher piloto do Afeganistão. Na base aérea das forças afegãs em Cabul, a jovem de 23 anos e lenço preto é a única presença feminina e a promessa de uma micro-revolução que começou com um sonho.
“Desde pequena, quando via um pássaro no céu, eu queria pilotar um avião”, conta à AFP a mulher sorridente com uma mecha de seu cabelo castanho ligeiramente pra fora do véu.
“Muitas meninas no Afeganistão têm sonhos… mas enfrentam muitos obstáculos, ameaças”, disse ela em frente a seu avião, um pequeno Cessna de transporte leve com hélices – bem diferente do potente F-14 pilotado por “Maverick”, o personagem de Tom Cruise no filme “Top Gun”.
Niloofar Rahmani, que cresceu em Cabul, se matriculou no curso da Força Aérea afegã em 2010. Ela recebeu o apoio de seus pais, mas outros a acusaram de desonrar a família.
Dois anos mais tarde, ela se tornou a primeira mulher piloto de aviões na história do país, que já teve mulheres pilotando helicópteros durante o período comunista, de 1978 a 1992.
Recompensada com o prêmio internacional “Mulheres de Coragem” do departamento de Estado dos Estados Unidos, Niloofar está entre aquelas que têm feito avançar a causa das mulheres no Afeganistão desde a queda do Talibã, há 14 anos.
Sob o regime fundamentalista, as mulheres não podiam sair de suas casas sem estarem acompanhadas por um homem e viviam confinadas. Mas a paridade ainda é um sonho distante no Afeganistão de hoje, onde os costumes continuam embasados na segregação entre homens e mulheres.
“Perdi minha liberdade”
Em sua ascensão irresistível, Niloofar tem recebido telefonemas e cartas ameaçadoras de estranhos, ordenando que ela peça baixa.
“Eles me ameaçaram, e disseram que iam prejudicar minha família”, revela. “Minha única reação foi ignorá-los”, diz ela, que teve que deixar o país por dois meses em 2013, quando as ameaças se intensificaram.
Hoje, a jovem piloto anda sempre armada para poder se defender. Acostumada ao olhar dos homens, ela nunca deixa a base usando o uniforme por medo de se tornar um alvo.
“Caminhar pela rua, fazer compras, tudo isso não consigo mais fazer. Perdi minha liberdade”, lamenta. Mas além das ameaças físicas, o conservadorismo persistente continua um obstáculo para os direitos das mulheres.
Ao longo de uma missão, ela desafiou as ordens de seu comandante ao transportar soldados feridos no sul do Afeganistão.
As mulheres não são autorizadas a transportar homens, mortos ou feridos. Mas no final desta missão, ela disse a seu comandante: “Pode me punir se você achou que eu fiz algo de errado”. “Ele sorriu e me disse: ‘você agiu bem'”, lembra.
Para ser tratada da mesma maneira que seus colegas homens, ela acredita que não pode demonstrar fragilidade. “Devo ser dura, muito dura, não posso demonstrar muitas emoções”, desabafa.
E ultrapassando as barreiras da igualdade entre os sexos, ela toma muito cuidado para não mexer – tanto – com as tradições.
Recentemente, um de seus colegas estendeu a mão para cumprimentá-la e ela declinou. “Porque?”, disse o militar, desapontado. Sem dizer nada, ela apenas acenou com a cabeça, sorrindo educadamente, com cuidado para não ser mal interpretada. (G1)
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