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Ubaitaba: Da cidade das canoas vem o canoeiro que transporta medalhas

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O repórter Pedro Bassan vai apresentar nesta segunda-feira (25) a história de um brasileiro que saiu do interior da Bahia para se tornar o melhor atleta do mundo na canoagem.

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Isaquias Queiroz é considerado o atleta com mais chances de ouro olímpico. (Foto Thacia Janaína/Ubaitaba.com)

Mesmo com tanta água, o Brasil nunca foi uma potência na canoagem. Até que, no interior da Bahia, uma cidade decidiu remar contra a corrente e mudar essa história.

Quantos sóis tem a Bahia? Tem um que vale por muitos. Por isso, essa terra é tão bonita quando ele está para nascer. O canoeiro espera o sol com uma pergunta: em qual das margens vai surgir o primeiro passageiro?

Logo o trânsito já é intenso na principal avenida de Ubaitaba. Avenida líquida e silenciosa. É o Rio de Contas, espalhando beleza pelo Sul da Bahia no caminho tranquilo até o mar.

Para quem nasce em Ubaitaba, remar é quase um destino. Em tupi-guarani, Ubaitaba quer dizer cidade das canoas. E as canoas já estavam lá bem antes da cidade. Há séculos, elas levavam os índios rio abaixo e rio acima. Durante décadas, transportaram o cacau, que é a grande riqueza da região. E há alguns anos, as canoas descobriram uma outra riqueza. Agora elas passam pelo rio levando ouro, prata e bronze.

Os canoeiros passaram a dividir espaço com os canoístas. E um desses remadores velozes mostrou que o Rio de Contas era uma estrada para ganhar o mundo. Ele é o filho prodígio da cidade das canoas.

Dilma Francisca Queiroz teve seis filhos. Adotou mais quatro e se pudesse, cuidava do mundo inteiro.

“É pena que eu vejo tantos jovens assim…  Ô meu Deus! Se eu pudesse, mas eu não posso abraçar a todos”.

A mãe que abraçou tantos hoje ganha o abraço musculoso do filho mais forte. Musculoso e generoso. Os presentes de Isaquias são outra forma de carinho.

Isaquias não mora mais na cidade. E mesmo quando morava em Ubaitaba, já tinha duas casas: a casa de tijolo e a casa de água.

“Eu acho que a canoagem me pegou, né, em vez de eu ter pegado a canoagem. E acabou dando certo a parceria. Acabei gostando muito por essa parte de estar onde eu gosto, estar no meu habitat natural ali, né”, diz Isaquias.

Ubaitaba fica numa esquina do mapa, entre a estrada e o rio. Depois de aprender a remar, o próximo passo era pegar o asfalto. Isaquias tinha 13 anos e nenhum dinheiro quando foi chamado para disputar o Campeonato Brasileiro de Canoagem.

“Ele estava na escola, faltava duas horas para o ônibus sair para Cascavel, fui lá: Isaquias, você vai. Eu vou pagar sua passagem, passei o cartão, você vai para Curitiba. E trouxe na bagagem 4 medalhas de ouro”, contou José Carlos Lona de Almeida, pioneiro da canoagem em Ubaitaba.

No ano seguinte, Seleção Brasileira. Em vez de até logo, o Rio de Contas tinha que ouvir um adeus. Destino: São Vicente, no litoral paulista. O lugar onde Isaquias encontrou uma nova família:

“Na verdade, aqui a gente não se chama de companheiro, se chama de irmão, né. A gente já fez uma vida juntos, né”.

Erlon, Ronílson, Nivalter. Oito anos depois, os irmãos da seleção continuam juntos, treinando em Lagoa Santa, Minas Gerais. Isaquias é o caçula dessa família, Nivalter, o irmão mais velho, o que nunca deixou nada faltar.

“Ele acabava comprando, né. Sabonete, escova de dente, às vezes até roupa já me deu. A gente ia para o shopping, falava: escolhe uma roupa aí que eu vou te dar aí. E acabava me dando coisa assim, de coração, né. Até porque ele sabia pela parte minha que eu não podia ter nada, né”, diz Isaquias.

Hoje os presentes de Nivalter são os conselhos, embrulhados na sabedoria que o tempo traz:

“Por eu ser um atleta mais velho e mais experiente, às vezes eu dou alguns puxões de orelha nele, muitas vezes ele aceita, muitas vezes não. Mas eu sei que, no fundo, no fundo, ele acaba aceitando. As nossas brigas não passam de um dia sem falar, depois já está tudo tranquilo, já”.

E de repente a canoagem brasileira fez barulho. Em cinco meses, a vida de Isaquias mudou: o melhor do Brasil virou melhor do mundo.

“Foi um milagre, né”, diz ele.

Impossível imaginar nome mais apropriado para o autor desse milagre: Jesus. Jesus Morlán, o treinador espanhol que conquistou cinco medalhas olímpicas. Veio ao Brasil para ganhar mais medalhas e não para fazer mais amigos.

“Eu lembro que, no primeiro dia, eles chegaram para mim e falaram: ‘Ah, a gente acha que…’ Mas eu não perguntei o que você achava. Quando eu quiser saber a sua resposta eu vou fazer uma pergunta”, lembra Jesus Morlán.

No começo o pessoal estranhou. E continua estranhando até hoje.

“Ele era muito exigente, tinha um jeito de treinamento muito diferente do que a gente estava acostumada”, diz Isaquias.

“Vão fazer isto! Por quê? Por que sim, falo eu. Pronto”, relembra Jesus.

“Quando ele chegou tinha que obedecer a ordem dele, porque ele é o cara, né”, brinca Isaquias.

“Ele sabe que eu quero bem ele, mas ele sabe que eu não sou um amigo dele”, explica Jesus.

Se ele não é amigo nem dos atletas, imagine dos adversários. Ainda bem que, agora, Jesus Morlán é do Brasil.

“Então passamos de ser aqueles brasileiros engraçados: ’Ah, mira, Brasil que engraçado’. Você deixa de ser engraçado porque você passa a ser favorito na raia, você passa a pegar medalhas”, afirma Jesus.

E foram muitas. Seis nos últimos três campeonatos mundiais: três de ouro e três de bronze. Só não ganhou mais um ouro, em 2014, porque se desequilibrou a um metro do fim.

Ele é o único no mundo capaz de ganhar medalhas nos 200, nos 500 e nos 1.000 metros. O fenômeno Isaquias Queiroz junta explosão e resistência:

“Não tinha essa. Quem era de C1 1000, C1 1000. C1 200, C1 200. E o ano passado acabei quebrando esse tabu, né”.

Na canoa e na vida, a regra é surpreender, fugir do comum. O penteado de hoje pode ser outro amanhã. Esse estilo imprevisível é temperado por uma certeza: Isaquias sempre volta para o mesmo lugar.

Alô, alô Ubaitaba! A cidade inteira gosta de ter certeza de que ele chegou. Porque uma vez ele disse que ia chegar e não chegava, não chegava…

“Estava orando na madrugada, já. Falei: não, senhor, já tá passando do horário do meu filho chegar. Não deixe chegar uma notícia ruim, quero notícia boa, pai”, lembra a mãe.

A notícia boa veio depois de um susto. A menos de um ano da Olimpíada, uma das maiores promessas do Brasil saiu do carro sem nenhum arranhão.

“O carrinho não prestou, não. O carrinho já se foi, já, mas a vida deles tá aí”, diz aliviada a mãe.

Sempre que ele volta a cidade para. A bola não rola. O estádio é de água corrente, e a arquibancada é a margem do rio. O ídolo não usa chuteira. Descalço ele dá o exemplo de equilíbrio e direção. E ensina que canoa é um outro nome para liberdade.

“Só de ver o sorriso deles, eles falarem assim para mim: tia, eu quero ser igual o Isaquias”, diz Camila Lima, professora de canoagem em Ubaitaba.

O futuro chega flutuando sobre o Rio de Contas para quem é criança em Ubaitaba. E daqui a alguns dias, quando Isaquias for para a água, o Brasil inteiro vai se transformar numa única, imensa, cidade das canoas. (G1/Jornal Nacional)

Veja a reportagem:

https://youtu.be/E4qCcYkaLAw

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