BRASIL & MUNDO
Imigrante trocou Croácia por SP após 2ª Guerra: ‘Sempre me senti brasileiro’
No ano passado, Nikola Cetinic Petris, de 71 anos, visitou pela primeira vez desde seus 8 anos a cidade onde nasceu, Blato, na ilha de Korcula, na Croácia, após deixar o país em 1951 com sua mãe a irmã rumo ao Brasil e nunca mais voltar.
A família deixou a Croácia depois que o pai dele morreu em batalha contra alemães nazistas que invadiram o país na Segunda Guerra Mundial. Foram morar em São Paulo, para onde seus tios haviam imigrado décadas antes, em 1925 – nesse caso, fugindo da fome que assolava a então Iugoslávia após a Primeira Guerra.
“Encontrei tudo igual. Lembrei de tudo, impressionante. Se eu tivesse algum probleminha no coração eu tinha apagado ali, porque a emoção foi forte. Foi por eu reviver a infância (…). Lembrei daquela batalha do dia a dia para sobreviver que minha mãe tinha”, relatou o ferramenteiro aposentado.
Após visitar seu país, Nikola afirmou que se reaproximou da sociedade de croatas em São Paulo. “Agora estou muito sentimental, enquanto minha mãe estava viva a gente sabia de alguma coisa, tinha o contato de alguém, ela faleceu já tem 30 anos. Aí a gente perde o contato com as pessoas e eu não sabia mais nada de lá de ninguém”, disse.
Nesta quinta-feira (12), as famílias de imigrantes croatas assistirão juntas pela tevê na sociedade ao jogo de abertura da Copa do Mundo, entre Brasil e Croácia, na Arena Corinthians, em São Paulo. “Eu vou preparar e levar uma sardinha que aprendi a fazer com minha mãe”, afirmou o aposentado.
Tanto Nikola quanto os demais croatas no Brasil, contudo, relutaram em “decidir” certamente para qual time irão torcer. “Torço mesmo é para que seja um belo espetáculo”, revelou Nikola.
“Vamos torcer para o Brasil, mas se a Croácia continuar na Copa, eu vou torcer para ela também”, diz outro imigrante, Alexandre Stanic Milat, de 75 anos. “Agora não tem jeito, eu acho que o Brasil vai acabar ganhando. A Croácia já ganhou muito com o privilégio de fazer o jogo de abertura com os donos da casa, pentacampeões, e transmissão para o mundo todo, não precisa ganhar mais nada.”
Entre as guerras
A história de Nikola Petris ilustra o que trouxe imigrantes croatas ao Brasil entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial: a busca por melhores condições de vida. De acordo com relatos dos filhos e netos dos imigrantes croatas no país, a realidade é que faltava o que comer no país na época.
Quando chegou ao Brasil, a primeira geração de imigrantes trabalhou inicialmente na lavoura. Depois, eles foram para São Paulo em busca de emprego na indústria, explicou o atual diretor-financeiro da Sociedade de Amigos da Dalmácia (uma região da Croata), Stanic Milat, que já foi presidente da associação e cresceu frequentando a entidade – ele se casou com uma croata e seus filhos e netos mantém as tradições croatas até hoje.
“Eles saíram de lá fugindo de uma situação muito ruim em função da Primeira Guerra, do desemprego, da fome. Umas 200 famílias partiram para cá em um navio. Algumas vieram para o Brasil e outras foram para a Argentina”, conta.
“Eles vieram para substituir o trabalho escravo, em lavouras de café. Só que nas lavouras eles passaram a ter condição tão ruins quanto a que tiveram no passado, porque eram tratados como boia fria”, explicou Milat.
Com a industrialização em São Paulo, essas famílias migraram para a capital paulista, fixaram-se e criaram a sociedade, disse. Por conta das indústrias que existiam na região da Mooca, a grande maioria delas se concentrou na região, onde os familiares vivem até hoje.
Foi nessa época que Nikola desembarcou no porto de Santos com sua mãe. “Chegamos aqui no dia 23 de dezembro de 1951. Eu, minha mãe e minha irmã mais velha, que ainda está viva. A princípio fomos morar com meu tio, na Mooca. Em seguida minha mãe conheceu um viúvo que era croata aqui, casou-se com ele e nós fomos morar com ele, meu padrasto, numa situação financeira bastante difícil. Ele trabalhava em tecelagem”, lembrou o aposentado.
Nikola conta que começou a trabalhar aos 9 anos. “Eu fui trabalhar, tentar ganhar dinheirinho para sobreviver. Trabalhando de engraxate, catando ferro velho, lavando carro, tomando conta de carro, fazendo tudo isso.” Fez curso técnico de ferramentaria e trabalhou em grandes indústrias automotivas e de eletrônicos. Casou-se com uma brasileira e teve dois filhos. Aposentado, atualmente tem uma empresa que trabalha com fitas adesivas.
Ele tem na lembrança histórias que sua mãe contava sobre como era a luta dos revolucionários. “Alguns partisans descobriam que ia ter um comboio de alemães que ia passar em determinado lugar, eles armavam uma emboscada, matavam e pegavam o que tinha com eles. No dia seguinte, os alemães entravam na cidade, pegavam meia dúzia de pessoas aleatoriamente, levavam para o centro da cidade e fuzilavam”, revelou.
“São histórias que me contavam dessa forma. E havia essa luta dos partisans e com isso eles já não podiam mais ficar nas casas onde moravam, não podiam mais ser lavradores, saiam na mata e faziam os bunkers, que são buracos embaixo da terra, para se esconder.”
De acordo com as histórias contadas ao imigrante, as pessoas que moravam nos bunkers não tinham como se alimentar e os que continuavam trabalhando na lavoura alimentavam os demais. “Meu pai e minha mãe participavam da batalha e forneciam os alimentos. E nesse período eu nasci. Chegou um dia que meu pai teve que se engajar na frente de batalha. E ele morreu em combate.”
Após a morte de seu pai, em 1945, Nikola conta que ele, sua irmã e sua mãe saíram como refugiados para a África (ele não lembra em qual país do continente) e lá viveram por alguns anos em acampamentos, voltaram para a Croácia e depois vieram para o Brasil.
Há alguns anos, chegou nas mãoes dele e da sua irmã um livro sobre a história da batalha dos partisans croatas, onde há a foto e os nomes de seu pai e seu tio, entre os combatentes que morreram na guerra. Nikola tirou xerox e guarda até hoje o documento, como um registro para a família.
Em setembro, ele deve voltar para a Croácia para levar sua esposa, com quem é casado há cerca de 50 anos, para conhecer sua terra natal. (G1)
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