ESPECIAIS
Liderada por Isaquias, seleção boicota evento-teste em protesto contra CBCa
Canoístas reclamam de impasse em pagamento do BNDES e criticam hospedagem: “Queria saber em qual hotel o presidente está”. Confederação diz que não há dívidas
A canoagem vive momentos de comemorações dentro da água. Títulos mundiais nos últimos anos e candidatos a medalhas nos Jogos Olímpicos do Rio 2016 fazem da modalidade um dos xodós do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). No entanto, houve um abalo em sua estrutura nesta sexta-feira, quando Isaquias Queiroz, Erlon de Souza, Nival ter Santos e Nilsonial de Oliveira resolveram não competir no evento-teste de canoagem velocidade, na Lagoa Rodrigo de Freitas. Eles protestam contra a Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa), sob a alegação de não receberem verba do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) há oito meses. Também criticam a hospedagem no Rio – os atletas estão alojados na Escola de Educação Física do Exército, na Urca.
– Estamos há oito meses sem receber da nossa confederação (o repasse do patrocínio). Mas a gente não deixou de treinar. Vocês viram o nosso resultado. Nossos resultados estão acontecendo, nós não deixamos de competir no Mundial. Mesmo sem receber, a gente leva a camisa do BNDES, porque senão é punido, não nos deixam entrar na água – reclamou Isaquias.
Do outro lado, o presidente da CBCa, João Tomasini, alega que não há dívidas. Na versão do dirigente, os pagamentos não foram feitos pelo BNDES por causa de um atraso da licença ambiental da prefeitura no projeto Lagoa Santa, cidade do interior de Minas Gerais em que os atletas treinam. Ainda segundo Tomasini, o Comitê Olímpico Brasileiro assumiu os pagamentos do BNDES até o fim das questões burocráticas do projeto. De acordo com o dirigente, cada atleta recebeu do COB R$ 88 mil neste período em que os mesmos alegam atraso.
– Eles não foram desassistidos em momento algum. Quando tivemos o problema do atraso na documentação, conversamos com o COB que fez esse pagamento nesses oito meses. O projeto foi liberado no dia 20 de agosto e a partir de setembro a CBCa vai repassar a eles o valor do patrocínio. Cada um recebia R$ 11 mil por mês por decisão do COB. Agora, pelo espelho do bolsa pódio, Isaquias e Erlon ficarão com R$ 15 mil por mês, Nílson, R$ 11 mil e Nivalter, R$ 8 mil.
Em contato por telefone com a reportagem do Globo-Esporte.com, a assessoria de imprensa do BNDES reforçou a tese de que há uma “interpretação equivocada” por parte dos atletas e que os mesmos, em nenhum momento, ficaram “desguarnecidos”. De acordo com o Banco, a transferência dos treinos para Lagoa Santa, a pedido de seu técnico Jesus Márlon, obrigou o projeto a sofrer uma readequação. A burocracia para a formatação de um novo projeto causou o atraso do pagamento pela confederação, assumido imediatamente pelo COB – que também confirma ter assumido a dívida:
– O pagamento pelo COB nesse período inclui a preocupação do COB de garantir as condições necessárias de treinamento e preparação dos atletas – informou o comitê através de sua assessoria.
“Nosso treinador queria ir embora, está de saco cheio”, diz Isaquias
Com Isaquias e Nivalter como porta-vozes, os quatro atletas fizeram suas reivindicações. Segundo eles, os dirigentes já estavam avisados há algum tempo do boicote ao evento-teste. O quarteto sai de férias e a previsão de volta aos treinamentos é no dia 7 de outubro, novamente em Lagoa Santa. O Brasil segue com 14 atletas no evento-teste, entre olímpicos e paraolímpicos.
– Uma das causas da nossa decisão é o respeito que se deve ter por um atleta. É a nossa forma de protestar. Damos resultados em Mundiais, temos vagas olímpicas e fomos a segunda modalidade com mais medalhas nos Jogos Pan-Americanos. É lamentável essa polêmica. O Brasil pode ser o paraíso para quem comemora resultado, mas e o atleta? Esperamos uma punição, mas se punirem a gente por falar a verdade, acabou. Nosso treinador (Jesús Morlan) queria ir embora, está de saco cheio, mas pedimos para ele ficar, o COB pediu. Se tiver punição para quem tem resultado, de que adianta se matar o ano inteiro? – questionou Isaquias.
A confederação, no entanto, não pensa em punir os atletas pelo boicote no evento-teste.
As reivindicações dos quatro integrantes da seleção principal acontecem menos de duas semanas após o encerramento do Mundial de Canoagem Velocidade e Paracanoagem, disputado em Milão. Melhor canoísta da história do país, Isaquias conquistou a vaga para o Brasil no C1 200m, ao conquistar o bronze, e no C2 1000m, ao lado de Erlon, quando levaram o ouro.
A equipe está hospedada na Escola de Educação Física do Exército, na Urca, e a escolha do local é outro ponto questionado pelos atletas. No mesmo local, estão os portugueses. Lá, segundo Nivalter, são acordados todos os dias às 5h da manhã, com o toque de despertar dos militares.
– Nosso técnico está dormindo em um beliche. Nosso grupo vem se destacando e eles passam essa imagem de que o trabalho é feito pelo BNDES e a CBCa. Não é verdade. Se não fosse o COB, não existiria essa equipe, nem o nosso treinador. Temos um campeonato importante e nos colocam em um lugar onde tem um cara gritando com um apito às cinco da manhã. Tem dinheiro para bancar um Campeonato Brasileiro com R$ 550 mil, mas chega aqui não tem dinheiro – reclamou Nivalter.
Tetracampeão mundial (2011/13/14/15), Isaquias também reclamou da hospedagem e alfinetou o presidente da CBCa sobre o caso.
– Queria saber em qual hotel o presidente (João Tomasini) está dormindo – cobrou Isaquias.
João Tomasini afirmou que alugou um apartamento para passar o feriado de 7 de setembro com a família no Rio de Janeiro.
No evento-teste, que vai até domingo, pontos importantes serão testados. Entre eles, o GPS acoplado aos atletas para que seus resultados sejam mostrados ao vivo em um telão no local. O sistema de cronometragem, o gerenciamento da competição e da instalação, o fluxo do local e o controle antidoping também estão na lista a ser observada. A qualidade da água da Lagoa Rodrigo de Freitas, questionada recentemente no evento-teste de remo, continua entre os pontos preocupantes.
Em curta nota oficial divulgada às 14h09m, o Ministério do Esporte “espera que os atletas e dirigentes da canoagem de velocidade brasileira retomem a harmonia”. Confira na íntegra
O Ministério do Esporte espera que os atletas e dirigentes da canoagem de velocidade brasileira retomem a harmonia para que toda energia esteja voltada à preparação rumo aos Jogos Rio 2016.
O grande apoio dado à modalidade pelo Ministério do Esporte vem se transformando em resultados esportivos extraordinários.
Por este motivo, o Ministério credita um voto de confiança e espera que a situação volte à normalidade o mais breve possível.
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