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Vizinhos esperam indenização 10 anos após queda de avião com Eduardo Campos em Santos
Dia 13 de agosto de 2014, quarta-feira chuvosa em Santos, 9h50. A professora Claudia Quirino via TV no quarto, o irmão se arrumava em outro para sair e entregar currículos, e a filha dela estava na sala. Nada incomum, até que um impacto, seguido de tremor, fogo, fumaça e destruição, mudou tudo.
Essa é uma das famílias que, dez anos depois, ainda não foram indenizadas pelos estragos causados pela queda de avião com o então presidenciável Eduardo Campos (PSB) numa pequena área verde em Santos, no litoral paulista.
Ele e seis pessoas a bordo viajavam do Rio de Janeiro com destino ao aeródromo do Guarujá para cumprir agenda de campanha na região. Morreram na hora. Em terra, dez tiveram ferimentos, foram atendidas e liberadas. Pendências e traumas do episódio, contudo, permanecem.
“Imagine você: em questão de segundos, um barulho infernal, tudo tremendo, sensação de terremoto, cheiro forte de combustível e chamas”, descreve a professora, hoje com 47 anos. “Meu cérebro não entendia o que era aquilo. Nem temos aeroporto em Santos. Não imaginava que fosse um avião caindo bem ao lado.”
“Como um míssil”, segundo ela, uma turbina destruiu a área de serviço e foi parar a poucos metros da filha, Sthephany, então com 9 anos.
Apesar do desespero geral no apartamento 8 alugado no bloco 2 do residencial Jandaia, bairro do Boqueirão, o irmão, Anthony Quirino dos Santos, 39, conseguiu puxar a garota e guiar Claudia. “Precisei rastejar em meio à nuvem de poeira com tudo preto e cinza. Meu irmão abriu a porta da sala com a chave derretendo.”
Descalços, os três ainda correram sobre cacos de vidro até alcançarem um local em segurança. “Tivemos experiência de faquir”, compara a professora. “Foram uns oito minutos intermináveis”.
Assim como outros atingidos, a família recebeu ajuda de vizinhos, atendimento de urgência e curativos na Santa Casa até ser liberada no mesmo dia. “Só que a gente não tinha mais lugar para voltar. Mais nada. Nem cartões, documentos, eletrodomésticos, coleções… Nem minha gatinha, que morreu. Costumo dizer que minha filha, que hoje tem 19 anos, passou a existir naquele dia porque perdi tudo relativo a ela.”
Todos foram acomodados em casas de familiares até alugarem outro imóvel, inclusive Edna da Silva, 63, mãe de Claudia e Anthony que, na hora do acidente, estava no trabalho.
Em 2015, chegaram a retornar após reforma do prédio pela seguradora, mas decidiram se mudar definitivamente em 2019. Motivo: não ficar lembrando todo dia da queda. Hoje, vivem juntas, o irmão se casou e a mãe mora sozinha. “Ainda sofremos com problemas psicológicos e um gasto permanente com medicamentos. Ninguém indeniza ninguém. É muito revoltante. Tenho um grito dentro de mim”, disse.
O advogado da família, Joaquim Barboza, 29, detalha que o processo por danos materiais, morais e estéticos foi movido contra o PSB e a AF Andrade Empreendimentos, apontada como dona do avião.
Desde junho de 2021, tramita junto à terceira turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em Brasília. “Seguimos aguardamos um desfecho”.
Vizinha do apartamento 5, Maria Cristina Antunes Pereira, 68, também se viu envolvida no episódio. No momento da queda, contudo, ela, um sobrinho e os dois filhos estavam fora. A família só foi voltar um ano depois até que os reparos pela seguradora fossem concluídos. Nesse intervalo, ficaram em casas de parentes. “E, naquele recomeço, só com a roupa do corpo”.
Como o imóvel é próprio, ela não pensa em sair dele, onde hoje vive com o mesmo sobrinho –os filhos seguiram outros rumos. “Móveis e eletrodomésticos, tudo o que estava dentro, perdemos. Indenização, até hoje, nada.”
SENSAÇÃO DE INJUSTIÇA
Drama semelhante vivenciou o professor de educação física Benedito Juarez Câmara, 78, cuja academia ao lado do terreno da queda, no número 115 da rua Alexandre Herculano, ficou, na definição dele, “80% destruída e 100% inutilizada”.
“A outra turbina bateu em uma de nossas vigas. Estilhaços de janelas foram parar na piscina. Eu tinha acabado de sair”, relata. As 29 pessoas que estavam na academia escaparam.
O professor mostra o local exato onde o avião chegou a abrir uma cratera. “Caiu num vão até hoje desabitado e foi um tremendo estrago para todos por perto. Por incrível que pareça, a árvore, um flamboyant, ficou preservada e ainda é a mesma.”
Ele ficou um ano improvisando aulas em outro local com apoio de amigos. Reformou a academia e trocou equipamentos com recursos próprios. “O que tinha no banco, usei para pagar o pessoal que precisei dispensar. Fiz uma economia de guerra. Em casa, definimos: ‘ninguém come fora, não se marca viagem, cinema’. Tenho essa sensação de injustiça, mas deixo a natureza trabalhar. Procuro continuar maravilhado pela minha profissão.”
“É triste ver a impunidade sendo a única beneficiada”, lamenta o advogado de Câmara, Alexandre Ferreira, 55. “Nosso processo tramita em segunda instância, no Tribunal de Justiça de São Paulo, contra PSB e a AF Andrade”. Ferreira também defende outros clientes no caso, inclusive uma escola infantil.
O PSB informa que “a maior parte dos processos já foi favorável ao partido e aguardará a decisão da Justiça sobre os demais”. “Entendemos que a responsabilidade é da empresa proprietária da aeronave [AF Andrade Empreendimentos].”
Em recuperação judicial, a AF Andrade justificou, em recurso, que não tinha mais a posse da aeronave em agosto de 2014 porque já teria sido vendida aos empresários João Lyra e Apolo Vieira. Procurado, o escritório de advocacia que representa os dois não se manifestou.