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Tabu em silêncio: milhares de brasileiros convivem com incontinência urinária e fecal sem diagnóstico ou tratamento

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  • Perdas involuntárias de urina ou fezes impactam o sono, a vida íntima, o lazer, a saúde mental e o trabalho — mas o tema ainda é tratado com vergonha
  • Jovens como Thaís, de 20 anos, mostram como a informação e a tecnologia podem resgatar dignidade e autonomia

Setembro de 2025 – Acordar no meio da noite com a cama molhada. Sentir vergonha de ir à academia ou sair para um encontro. Evitar viagens longas. Conviver com fraldas ou absorventes. Para milhares de brasileiros, essa é uma realidade diária — mas quase sempre mantida em segredo. A incontinência urinária ou fecal, embora altamente prevalente, ainda é envolta em silêncio, constrangimento e negligência.

 

De acordo com dados alarmantes da pesquisa realizada em 2023 pelo Instituto QualiBest, em parceria com a Medtronic, 46% dos entrevistados relataram sintomas de incontinência, mas a maioria nunca buscou atendimento médico. Entre os que convivem com o problema, quase 80% sentem vergonha de falar sobre o tema com outras pessoas.

 

“É um problema que, mesmo que a pessoa tente esconder ou minimizar, muitas vezes acaba sendo notado pelos mais próximos. Ele rouba do paciente a autonomia e a autoestima. E o pior: ainda o faz sentir culpa ou vergonha por algo que está fora do seu controle”, afirma o médico urologista Renato Mascarenhas, do Biocor-Rede D’Or em Nova Lima, MG.

 

 

Mais do que um desconforto: um impacto significativo na qualidade de vida

 

Apesar do estigma, a incontinência é uma condição médica reconhecida e amplamente estudada. A incontinência urinária, por exemplo, afeta até 45% das mulheres acima dos 40 anos, de acordo com a Sociedade Brasileira de Urologia — Entre as causas mais comuns está a chamada bexiga hiperativa — uma condição em que a bexiga tem dificuldade de armazenar a urina adequadamente, levando a escapes involuntários e urgência para urinar. Nesses casos, o paciente pode se beneficiar de terapias como a neuromodulação sacral, técnica que utiliza estímulos elétricos para regular o funcionamento do assoalho pélvico.

 

Não menos importante, a incontinência fecal também afeta tanto homens quanto mulheres, embora muitas vezes seja ainda mais cercada de tabu e silêncio. De acordo com o especialista, a condição pode ter diferentes causas, como alterações neurológicas, cirurgias na região pélvica e, no caso das mulheres, o pós-parto — situações que podem comprometer o bom funcionamento dos nervos e músculos responsáveis pelo controle intestinal.

 

Entre os pacientes que relatam sintomas de ambas as incontinências:

  • 47% relatam impacto na qualidade do sono
  • 41% evitam atividades físicas
  • 37% sentem prejuízo no lazer
  • 30% relatam piora na vida profissional
  • 28% apontam consequências na vida íntima

“Com 20 anos, eu achei que estaria de fralda”

 

Thaís Cardoso, estudante de psicologia de 20 anos, viveu na pele o peso desse silêncio. Ainda adolescente, começou a ter episódios recorrentes de infecção urinária. e perda involuntária de urina. “Eu não controlava. Perdia urina sem perceber, no meio da aula, no caminho para a faculdade. Comecei a evitar sair, a me esconder. Era vergonhoso.”

 

Ela procurou diversos médicos, passou por tratamentos com antibióticos, mas sem sucesso. Até que foi encaminhada ao Dr. Renato Mascarenhas, que após cuidadosa avaliação do caso indicou o tratamento por neuromodulação sacral.

 

Hoje, Thaís vive com um pequeno dispositivo implantado na região lombar. “É como um marcapasso pélvico. Desde que coloquei, minha perda de urina reduziu muito. Retomei minha autoestima e melhorei minha qualidade de vida. É como se eu tivesse ganhado uma segunda chance.”

 

Como funciona o tratamento por neuromodulação

 

A neuromodulação sacral já é reconhecida em todo o mundo como uma opção de tratamento em casos refratários de incontinência urinária causadas por bexiga hiperativa, ou seja, é indicada quando fisioterapia e medicamentos falham. Isso vale para casos de incontinência fecal de difícil controle, em que outras abordagens não foram eficazes. O dispositivo é aprovado pela ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, órgão que regula os planos de saúde no Brasil, sendo 100% custeado pelas fontes pagadoras.

 

O Dr. Renato explica que o tratamento é realizado em duas etapas, por exigência das diretrizes da ANS. Primeiro, o paciente passa por uma fase de teste, em que um pequeno eletrodo é posicionado na região sacral (proximidades do glúteo) para avaliar a resposta do organismo ao estímulo. Se os sintomas melhorarem de forma significativa, o que equivaleria a uma diminuição de 50% de perda urinária ou fecal, o paciente segue para a segunda etapa, com o implante definitivo do dispositivo, feito de maneira simples na região subcutânea. O procedimento é minimamente invasivo e permite alta no mesmo dia, com rápida retomada das atividades cotidianas.

 

“A neuromodulação sacral é um tratamento que usa um pequeno aparelho parecido com um marcapasso para estimular nervos na região lombar. Essa estimulação ajuda a regular o funcionamento da bexiga e do intestino, melhorando o controle urinário e fecal”, explica Dr. Renato.

 

O modelo mais recente, InterStim X, lançado em fevereiro de 2025, tem bateria de até 10 anos, é compatível com ressonância magnética de corpo inteiro e não exige recarga, o que representa um avanço importante para conforto e segurança dos pacientes. Também está disponível o InsterStim Micro, uma versão recarregável que oferece a mesma eficácia, com bateria projetada para durar até 15 anos com recargas regulares. A tecnologia de neuromodulação sacral está no Brasil há mais de 12 anos e até janeiro de 2025, 1.678 pacientes tiveram suas rotinas de vida transformadas, com os sistemas InterStim.

 

“A escolha entre os dispositivos é feita pelo médico com base nas necessidades clínicas e preferências individuais de cada paciente, garantindo uma abordagem personalizada e segura” enfatiza Dr. Renato.

 

Uma conversa que precisa sair do banheiro

 

Entre os principais entraves para o diagnóstico está o tabu. Mais do que um problema higiênico, a incontinência — seja urinária ou fecal — tem um impacto profundo na vida social e emocional das pessoas. Uma pesquisa nacional conduzida pelo IPEC revelou que 89% dos indivíduos com sintomas de incontinência urinária sentem vergonha da condição, enquanto 61% evitam sair de casa e 42% deixam de participar de eventos sociais por medo dos escapes. O constrangimento, muitas vezes, pesa mais que os próprios sintomas.

 

Esses dados reforçam como tal condição não apenas adoece emocionalmente, mas também afasta o paciente da busca por ajuda médica por conta do tabu, vergonha e, principalmente, da falta de conhecimento sobre possíveis tratamentos.

 

“A transformação começa no acolhimento empático, passa pelo tratamento adequado — como a cirurgia — e se concretiza na melhora da qualidade de vida”, afirma o Dr. Renato.

 

Thaís concorda. “Se eu pudesse dizer algo para quem vive isso, diria: você não está sozinho. E não precisa passar por isso calado. Existe vida após o tratamento da incontinência.”

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