Bahia
Estudante negra é convocada após denunciar e provar fraudes em sistema de cotas sociorraciais da Ufba: ‘Serei a 1ª médica da família’
Uma estudante negra de Salvador foi convocada para o curso de medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba) após denunciar e provar fraudes em sistema de cotas sociorraciais da instituição. Pessoas brancas ocupavam as vagas destinadas a alunos negros e que estudaram em escola pública.
Lindinês Jesus de Souza começou a saga para conseguir a vaga a que tinha direito há cerca de um ano, quando concluiu o bacharelado interdisciplinar (BI) em Saúde na Ufba. A notícia da lista de convocação, no entanto, só chegou na última sexta-feira (28), com o nome dela em 1º lugar.
Das 32 vagas para medicina disponíveis em 2019, duas eram específicas para alunos negros e estavam sendo fraudadas por pessoas que não tinham as características exigidas pela Lei de Cotas Sociorraciais.
A estudante conta então que, ao descobrir que os ocupantes não tinham fenótipo negro – ou seja, características físicas de pessoas negras, como cor de pele e traços físicos–, resolveu correr atrás de denunciar e provar que as vagas estavam sendo ocupadas irregularmente.
“A gente descobriu que eram duas pessoas que não correspondiam, nem fenotipicamente e nem socialmente, às características atribuídas às pessoas que compõe a população negra. Primeiro, eu abri recurso administrativo, que não resolveu. Então, eu precisei fazer uma denúncia na ouvidoria [da Ufba] e depois buscar a Secretaria de Promoção à Igualdade Racial para também fazer uma denúncia lá e, por fim, chegar na Defensoria Pública da União, onde o caso ganhou maior repercussão”, detalha Lindinês.
A partir da denúncia, a Defensoria Pública da União (DPU) confirmou que houve fraude no sistema de cotas e recomendou à Ufba a adotar mudanças para o preenchimento de vagas e fazer a heteroverificação – procedimento que analisa se a pessoa se enquadra na raça a que ela se autodeclara –, o que não foi feito.
“Como a Ufba não realizava a banca de heteroverificação antes, os alunos que ingressaram no bacharelado interdisciplinar por cotas não passavam por essa análise, entravam apenas com a autodeclaração. Consequentemente, quando terminavam o BI e iam escolher as suas disciplinas que iam cursar, eles não passavam por nenhuma banca também, porque automaticamente já concorriam por cotas, porque assim eles tinham ingressado. Isso ocasionou uma série de irregularidades e fraudes, como nós podemos ver, e pessoas que não eram negras e se autodeclaravam negras ocuparam vagas de quem tinha direito”, explicou o defensor público Vladimir Correia.
Como a Ufba não acatou a recomendação da DPU, o órgão entrou com uma ação civil pública para obrigar a universidade a fazer a banca de heteroverificação, que, enfim, foi acatada.
“A Defensoria Pública da União fez uma recomendação à Ufba para que aplicasse a banca para essas pessoas, e depois ingressou com uma ação civil pública para obrigar a Ufba a realizar essa heteroverificação. Só a partir daí, a Ufba voltou atrás e decidiu fazer a banca, aplicando a recomendação feita pela Defensoria Pública da União”, disse Vladimir Correia.
Depois de todo o processo, Lindinês pôde ocupar a vaga que era destinada a ela e vai cursar medicina no campus da Ufba em Vitória da Conquista, no sudoeste do estado. A estudante citou uma frase da filósofa americana Angela Davis, ícone na luta dos Panteras Negras pelos direitos das pessoas negras, para comemorar a vitória.
“Serei a primeira médica da família, fui a primeira na universidade pública e eu sou pioneira em muitas coisas e, graças a Deus, nisso também. Espero que tenham outras depois de mim, até porque representatividade importa”, disse a estudante.
“Quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo se desestabiliza a partir da base da pirâmide social onde as mulheres negras se encontram. E eu me movimentei” – Lindinês Souza.
Ter recorrido à Justiça para realizar o sonho de ser medica é uma conquista na vida de Lindinês e também da família.
“Estamos muito felizes como família porque para nós era algo que parecia inalcançável. Há alguns anos atrás, isso seria totalmente impossível. Então, a gente se vê, agora, realizando um sonho”, disse a mãe da estudante, Palmira de Jesus Souza. (G1/BA)
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