GIRO DE NOTÍCIAS
Após peregrinar em Hospitais com plano de saúde na mão usuária faz carta de desabafo.
“…e o juramento dos hipócritas é mesmo uma hipocrisia.”
Que me perdoem os “bons médicos” e profissionais da área de saúde que ainda conseguem manter sua essência humanitária.
Afinal não é esse o objetivo principal de quem trabalha na área da saúde? Colaborar em favor da estabilidade emocional e física das pessoas? Em que momento isso se perdeu? Será que foi na hora que se deram conta que a medicina é uma das profissões que melhor paga seus profissionais?
Sempre acreditei que quando uma pessoa decide pela área de saúde, em sua grande maioria esmagadora, o faz pela vontade ou vocação em “ajudar” as pessoas. E de fato, quando uma pessoa está debilitada em sua saúde é quando ela mais precisa de uma palavra amiga, um abraço acolhedor, um amparo emocional além dos cuidados físicos. Definitivamente não é isso que estamos encontrando na área da saúde. E convenhamos, a falta de investimento é só mais uma “desculpa” pra falta da vocação verdadeira desses profissionais. E não estou fazendo apologia ao trabalho exclusivamente voluntário na área de saúde não!
São profissionais como quaisquer outro. Merecem e devem ser bem remunerados. Mas também precisam se lembrar que escolheram uma profissão que exige sim mais humanidade. Muito mais do quê um administrador financeiro que está ali justamente para lidar com finanças e não com pessoas; Muito mais do quê um profissional da área de marketing que está ali para vender produtos, serviços, imagem…etc.
Depois de mais de um mês “passeando” (porque é isso que os médicos pensam que a gente faz) entre um consultório e outro, um hospital e outro no interior e na capital, fiquei estarrecida com a indiferença com que somos tratados.
Embora pareça um assunto massivamente abordado em telejornais, o fato é que a saúde no Brasil está realmente em estágio terminal: tanto a pública quanto a privada.
Como acontece com a nossa política, quando abordamos os problemas na área de saúde as pessoas demonstram seu profundo desinteresse com o tema. Passaram a ver os descasos nesses serviços de forma tão rotineira quanto é comum “afirmar” que todo político é corrupto. Hoje em dia, ver um profissional da área de saúde trabalhando com um mínimo de sentimento humanitário é totalmente incomum. Esperar meses por uma autorização de exames ou cirurgias que o médico já sinalizou como de importância relevante é absolutamente normal e compreensível. Quando entrei na justiça cobrando agilidade na autorização do procedimento devido aos vários inconvenientes que eu vinha passando, ainda tive de ouvir de uma conhecida “mas eles estão no prazo deles”, ou da central de atendimento do plano que era uma “cirurgia eletiva”. E eu pergunto: tem prazo pra saúde, é? E o meu direito de usar o plano depois de anos pagando sem realizar nem simples consultas ao longo do período? O dinheiro que eles “tomaram” de mim ainda precisa de autorização pra se transformar em cirurgia? Por que? O bolso deles é mais importante do quê minha saúde? E as outras enfermidades que podem surgir em decorrência do não tratamento do problema descoberto?
Sim, realmente eles ainda estão no prazo legal, seja lá o que “legal” quer dizer nesse caso. Eu poderia, esperar? Sim! Até porque, o “único” risco que corro é de perder as funções de um dos rins. Coisa pouca! Banal! Sem grande importância. Afinal, tem gente correndo risco de vida. OK! Compartilho da solidariedade à essas pessoas também. O que não deve me tirar o direito de zelar pela minha integridade física, deve? Nesse caso, apenas quero que todos tenhamos nossos direitos assegurados na obrigação do governo ou dos planos particulares de “cuidarem” da nossa saúde. É pra isso que são pagos, não é? Porque eu tenho que me sentir culpada por correr atrás de um direito que é meu de fato? Um advogado, por favor!!!!!!! (Ah! Desculpe. Já tenho uma, obrigado!)
Na minha saga nem um pouco apaixonante como Crepúsculo, fui “aterrorizada”, ignorada, diminuída e vista como cifras irrelevantes para diversos médicos. Nunca me senti tão humilhada e a minha autoconfiança foi por água a baixo por diversas vezes. Coloquei na cabeça aquela neura de “se eu tivesse dinheiro”… Um mês sem trabalhar. Um mês com medo de sentir dor de novo já que não podia mais tomar os remédios para cortar o desconforto da dor por conta de uma alergia recorrente a todo o tipo de analgésico receitado (uma reação em cadeia após tanta medicação). Cheguei a bater no pronto socorro duas vezes no mesmo dia e quando ligava pra o médico responsável pela minha cirurgia no intuito de agilizar o processo e me colocar como emergência tinha como resposta: “O plano já autorizou? … Então não posso fazer nada.” Como assim? Quanto você quer pra fazer o procedimento, pessoa? Tudo bem! Sei que você estudou muito para ter essa competência e que você vive disso. Entendo perfeitamente! Acredite! Mas um pouco de sensibilidade não faz mal a ninguém, né? (Amor e café, quentes! Por favor). Me enrole com palavras doces e mesmo que não vá fazer nada, me dê algum conforto nesse momento. Isso já teria um efeito “calmante” muito importante na minha dor física e emocional pela impotência diante dos fatos.
Terceira internação e sete horas numa “pré-triagem” (porque depois tinha outra). Mais de vinte e quatro horas sem comer porque até então ninguém decidia se encaminhava pra o procedimento cirúrgico ou não. Quando finalmente resolveram que eu podia comer, fui informada que eu não estava internada e sim numa “segunda-triagem” então eu teria de pagar pelo meu almoço. Depois de tudo isso e de reclamar da alergia que não cedia, o médico me disse que eu podia ir pra casa esperar pela autorização do plano.
“- E se eu voltar a sentir dor?”
“-Volte pra emergência! Que vamos “testar” outro remédio que não lhe dê alergia. Enquanto isso, administre sua dor”.
Sério que eu sou obrigada a ouvir isso? Vão “testar” outro remédio? Virei cobaia agora? Rato de laboratório? Do tipo: “Vamos picar ela com todo tipo de medicação. Uma hora a gente acerta.” Os antialérgicos estão aí pra isso. Pouco importa se são uma “bomba” para o organismo ou se vão piorar as funções renais. Agora só mais uma pergunta: quantas vezes ao dia eu devo utilizar a medicação que “administra a dor”?
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“- Não tenho nada a ver com isso. Cheguei agora”.
Essa foi a resposta que um enfermeiro me deu quando fui questionar estar a mais de quatro horas esperando apenas pela internação que já havia sido solicitada pelo médico durante consulta em seu consultório particular. Daí perguntei:
“-E já chegou pra trabalhar nesse mau humor todo?”.
Ele simplesmente me deu as costas e saiu. Fui acolhida não pelo enfermeiro, ou assistente social, mas sim por um outro médico que passava no local e viu meu estado de choque diante daquela atrocidade moral que haviam feito comigo (imagine se eu não fosse desenrolada). Esse foi quem interviu, de uma certa forma, pra que me colocassem no apartamento. Eu quase me ajoelhei e beijei sua mão, mesmo sabendo que aquela era a única atitude pertinente a ser tomada.
Quem não me conhece pode até pensar que sou arrogante e inspiro esse tipo de atitude pouco amistosa das pessoas. E até eu cheguei a me questionar isso. Meu psicológico já estava abalado demais pra pensar racionalmente e entender que o problema não era eu, e sim o sistema. Falho! Desumano! Impessoal! Ineficaz e ineficiente!
Sozinha no apartamento na primeira internação acordei de sobressalto e percebi que o soro tinha acabado. Liguei pra recepção, nada! Pra “minha” enfermeira, nada! Pra segunda recepção, nada! Levantei assustada com aquele recipiente de soro no fim e uma bolha de ar correndo em direção ao cateter em minha veia. Fui procurar alguém pra me “socorrer”. Encontrei dois colchões no chão da segunda recepção, chamei e pedi pra me “ajudarem”. O que ouvi foi:
“-Volte pro seu apartamento e ligue pra sua enfermeira.”
“-Mas já liguei, ela não atende.”
“-Espere!” “
“-Como assim espere? O soro acabou!”
“- Volte pro seu quarto e espere.”
“- Moça, você não está entendendo, o meu soro acabou! Como é que vou voltar pro apartamento com isso no braço? Essa bolha de ar não vai me fazer nenhum mau?”
“- Não! Volte pro quarto”
Voltei pro quarto com lágrimas rolando pela minha face e decidida que eu mesma iria tirar o cateter e tudo mais. Pra minha sorte, a “minha” enfermeira apareceu quando minha mão já estava pra iniciar o meu “livramento” da suposta morte iminente e trocou o soro, “salvando minha vida.”
Volto a questionar: o que essas pessoas estão fazendo na área de saúde? Não quis incomodar ninguém ficando comigo no hospital aquele dia, mas hoje, pelo amor de Deus, alguém fique comigo! Sempre! Principalmente quando eu precisar ir ao médico. Eles me dão medo! Me dão tanto medo quanto os palhaços de circo. Aliás, acho que eles fazem mesmo o papel dos palhaços de circo. Preenchem um espaço vago entre uma “atração” e outra e nos deixam “alertas” para “cenas dos próximos capítulos” de forma estarrecedora. Tensa! Ouvimos suas “sentenças” a cerca de nossas mazelas e ficamos ali, estagnados, esperando por um milagre que caia do céu em forma de gente e diga que “Está tudo bem. Ele só está fazendo uma piada de mal gosto fazendo uso do chamado “humor negro.”
Sou administradora e professora por formação e profissão, e uma das coisas mais contraditórias no mundo contemporâneo é que o senso humanitário e humanista que tanto se prega dentro das grandes corporações capitalistas hoje em dia com novas formas de liderar, de motivar e de transformar setores inteiros em unidades de relacionamentos mais dinâmicas, pessoais e seguros, é o mesmo que se perdeu dentro dos grandes centros hospitalares. Na administração o setor de Recursos Humanos, em muitas empresas hoje em dia é Desenvolvimento Humano Organizacional pra dar justamente um ar mais humanitário e pessoal dentro da empresa. Nos hospitais (que também são considerados organizações), perdeu-se o valor dado aos seus clientes(usuários) que foi transferido para necessidade de honorários substanciais. O que deveria ser regra, agora é exceção e a sensação que passamos a ter quando há um bom atendimento e solicitude num ambiente hospitalar é de que estão nos fazendo um favor e ficamos em débito com essa pessoa para o resto da vida, tamanha é nossa fragilidade nessas circunstâncias. Temos vontade de presenteá-las e muitas vezes o fazemos num ato de pura e incontestável gratidão: “Obrigada por ter feito o seu trabalho como ele deveria realmente ser feito!”
Sei que em toda regra há exceção e, em virtude disso, agradeço aos profissionais que ainda mantêm em si alguma sensibilidade e com isso não colocaram as emoções, crenças e valores de seus pacientes em segundo plano. Agradeço aos poucos que, com esse perfil, estiveram no meu caminho nessa trilha. Colocar as necessidades subjetivas de seu paciente como prioridade, não é, como se pode imaginar, uma questão utópica, mas sim uma habilidade que deve estar intrínseca nas habilidades do profissional de saúde. E acho que nem preciso elencar as provas disso. Vou apenas mencionar o “projeto canguru” nas maternidades. O resto fica por conta da interpretação de cada um.
“Prometo que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência.”…
Trecho do juramento dos formandos em medicina da UFMG
Eliana Sfalsin
Usuária (?) de plano de saúde
Ilhéus em 30 de Janeiro de 2015.
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