ENSAIOS E ENTRETENIMENTO
Artista encanta povoado de Feira de Santana decorando casas com paisagens
Fotografias em tamanho real instaladas por artista em fachadas de casas no povoado de Morrinhos mudam a paisagem e a autoestima da população. Confusão virou rotina entre moradores.
Ao sair de casa pela manhã, a lavradora Maria Luísa Lopes, 84 anos, deu uma olhada na fachada de casa. Há um mês, a visão era familiar: paredes brancas e janelas verdes. No fim da tarde, quando voltou, o susto. No lugar da casa estava uma estrada de terra, rodeada por grama e por uma cerca de arame farpado.
Estava na rua errada? Não. Todos os vizinhos pareciam estar no mesmo lugar – a Rua das Flores, no povoado de Morrinhos, a cerca de 40 quilômetros de Feira de Santana. Avistou o telhado e viu que o imóvel não tinha desaparecido. Mas… Cadê a porta?
É verdade que a estrada, a grama e a cerca são comuns em Morrinhos. Só que, nesse caso, não passava da fachada da casa onde mora desde que nasceu, com uma pitada de ilusão de ótica.
Quem olha rápido – e até quem olha atentamente – pode não perceber que ali existe uma fotografia adesiva, impressa em tamanho real e colada no que antes era a parede branca. A intervenção faz parte de um trabalho da artista visual Maristela Ribeiro, professora do Instituto Federal da Bahia (Ifba). Há um ano, ela começou um projeto que pretendia mostrar a realidade de Morrinhos aos seus próprios moradores e ao mundo.
Após oferecer oficinas de arte e fotografia à população, Maristela partiu para a última fase do projeto, que começou em dezembro e se estendeu até março. “Não encontrei nenhuma imagem da comunidade, que existe desde 1940. Imaginei trazer a paisagem regional e usar as casas como telhado”, afirma Maristela, que usa o projeto na pesquisa no doutorado em Artes na Universidade Federal da Bahia (Ufba).
Metáfora
Apesar de chamar atenção dos quase 400 moradores e também dos forasteiros, a casa de dona Luísa não é a única: as paisagens de Morrinhos foram transportadas para outras nove das cerca de 90 residências do local.
“Meu objetivo era que as casas desaparecessem. Para mim, era uma metáfora sobre o esquecimento do local, sobre como essas pessoas são deixadas de lado e se tornam invisíveis”. Lá, a maioria dos moradores vive em casas de taipa, sem saneamento básico. A principal fonte de renda, além da agricultura familiar, é o Bolsa Família, segundo a pesquisadora.
Pois, o objetivo foi alcançado. A casa de Luísa, assim como as outras, sumiu. “Eu demorei para achar a porta, na primeira vez”, lembra. Por sorte, viu o poste que fica quase ao lado da casa. “Agora, olho o poste! A porta fica perto dele”. Até os vizinhos estranhavam. “Perguntavam: cadê a casa de Luísa? Agora, todo mundo está encantado”, orgulha-se.
Confusão
A reação de dona Doralice Lopes, de 88 anos, foi parecida. Seis dias atrás, ela não fazia ideia de que sua casa tinha se transformado em uma cerca que separa a estrada de terra de um rebanho de cabras.
Nos últimos quatro meses, o filho, o lavrador José Boaventura, 68, esteve sozinho na casa de três quartos – ela descansava na casa de outra filha, em Salvador, depois de uma cirurgia “nas vistas”. Quando chegou, não reconheceu a residência onde sempre morou.
“Perguntei: cadê minha casa, gente? Achei que tinha sumido! Quando saí, minha casa era branca. Voltei e estava verde!”, comenta, deslumbrada. Ela nunca tinha visto uma foto em tamanho real. Agora, sentada em um banco de madeira sem recosto, dona Doralice também vê a Rua das Rosas, embora a tal rua não fique ali. O que ela vê, na verdade, é a fachada de outra casa que reproduz a via do povoado.
O tanque fica a cerca de dois quilômetros do povoado, no terreno que faz parte de uma fazenda da região. Todos os dias, eles caminham até lá com carros de mão e baldes na cabeça. “O tanque é fundo, quase do tamanho do poste, quando está cheio. Mas quem alimenta é a chuva e não está chegando nem nas pernas”, diz, apesar de não saber dizer há quanto tempo não chove.
A água que resta se mistura com a lama do fundo do poço. “Como se não bastasse, a gente disputa com animais que bebem a água. É cavalo, cachorro, porco…”, afirma o lavrador Ivonaldo Barbosa, 30.
Procurada pelo CORREIO, a assessoria da prefeitura de Feira de Santana não deu um posicionamento oficial até o fechamento desta edição, às 20h. Já a assessoria da Embasa, responsável pelo fornecimento de água, não confirmou a informação, devido à paralisação administrativa de 24 horas do órgão, ontem.
Povoado tem cerca de 400 moradores em 90 casas
Localizado no distrito de Jaguara, em Feira de Santana, o povoado de Morrinhos tem quase 400 habitantes, que vivem em cerca de 90 casas. Para chegar até lá, é preciso seguir pela BR-116 e pela Estrada do Feijão. (Correio da Bahia)
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