ENSAIOS E ENTRETENIMENTO
Cantora baiana Josy Santos é destaque na música erudita
Nascida em Araras, distrito de Campo Formoso, a cantora mezzosoprano é considerada a grande promessa da Ópera, e hoje vive na Alemanha, onde faz mestrado em música.
Baiana de Araras, distrito de Campo Formoso, no interior da Bahia, Josy Santos deixou a cidade natal com a família ainda criança para viver em Caraguatatuba, em São Paulo. Na bagagem, levou o talento musical que já era percebido em brincadeiras com os irmãos, e confirmado mais tarde quando ingressou no projeto musical Guri. Em 2012, conquistou uma bolsa do Mozarteum Brasileiro, que a levou para estudar música clássica em Frankfurt, na Alemanha. Hoje aos 25 anos, a mezzosoprano é reconhecida como uma das grandes promessas da música erudita. Acabou de participar pela primeira vez do ‘Festival Música em Trancoso’, onde fez apresentações memoráveis e foi aplaudida de pé.
Quem a vê no palco cantando ópera se impressiona com seu trabalho técnico e sua capacidade vocal, mas é longe dos holofotes que a cantora revela sua simplicidade e entusiasmo pela vida. Adora cores vibrantes nas roupas, mantem os cabelos cacheados, tem uma gargalhada fácil e nenhum sinal de deslumbramento pela fama. Como uma menina sapeca, é capaz de vibrar de alegria ao ver sua foto publicada em uma revista. E quando o assunto é música, está sempre pronta para uma longa conversa, como aconteceu na entrevista a seguir, concedida no palco superior do teatro do MeT, construído especialmente para o festival e inaugurado no dia 15 de março com Josy cantando o Hino Nacional.
Como foi sua saída do Brasil e o processo de conquistar espaço na Alemanha como uma cantora erudita?
O primeiro baque que você tem quando sai do seu país é notar que você não está no seu país. Você tem de se adaptar a outros costumes, outra língua, outra mentalidade… Buscar seu espaço dentro disso não é fácil, mas a partir do momento que a gente sabe quem a gente é, de onde a gente vem e não se envergonha disso, fica tudo mais fácil. Você simplesmente toma seu espaço, porque não tem de fingir ser uma coisa ou tentar se adaptar ao que que eles imaginam ser o ideal. Eu tenho muito orgulho de onde eu vim e de ser brasileira.
Como é a sua rotina hoje na Alemanha?
Atualmente tem sido tempo integral dedicado à música, porque estou fazendo mestrado e tenho uma bolsa de estudos que me oportuniza só estudar. A rotina é acordar, ir para escola e ficar lá até umas dez horas da noite. Uma rotina de estudos, é estudar três horas de técnica e de repertório por dia, mais pesquisa de repertório, tradução e estudo de línguas (alemão e francês, que eu ainda quero aprender).
A música escolheu Josy ou Josy escolheu a música?
Acho que foi a música que me escolheu, porque eu não tenho nenhum antecedente na minha família. Não conheço ninguém que tenha sido músico na minha família, então, sempre foi uma coisa muito natural. Eu brincava de cantar e, de repente, surgiu uma vontade. Então acho que foi a música que me escolheu e eu tive a vantagem de ter um dom.
Você é mulher, brasileira e negra e está em um lugar que é muito dificil de chegar, que é a música clássica na Europa, como lida com isso?
Eu nunca pensei em desistir. Sou mulher, sou brasileira e isso me ajudou, porque eu tenho um exemplo muito forte dentro de casa, que é a minha mãe, que enfrentou a seca com quatro filhos, foi para Caraguatatuba, um lugar completamente desconhecido e nunca desistiu. Ela sempre foi o meu exemplo. E eu pensava: se a minha mãe passou por coisas muito piores, por que eu não vou conseguir? Então, eu sempre tive um pensamento: “vou em frente”. Todas as minhas características eu busquei ter comigo e isso é o que faz eu ser Josevany, ter um nome, uma origem. Nunca desisti e o fato de ser uma mulher, negra, minoria… só me dá mais força de continuar. Não é fácil, não. Você passa por alguns preconceitos, vão falar que seu potencial é mais ou menos, mas isso não me abala, porque eu sei quem eu sou, de onde eu vim e isso não muda.
E o que você encontrou de melhor lá fora?
Me deixou mais realizada poder colocar a minha arte sobre uma forma acadêmica e poder estudar. Isso me deixou tão feliz… Porque aqui a gente sofre tanto. Aqui você acorda, enfrenta duas horas de trânsito, chega até o seu trabalho e recebe pouco. Daí você vai almoçar e paga quase o que recebe para comer, volta para casa com mais duas horas de trânsito e quando para para estudar já está cansado e acabou o dia. O que me deixa mais feliz fora é ter tranquilidade. Eles têm um outro ritmo de vida e valorizam o descanso, são bem remunerados. A estrutura dos países europeus me deixou encantada, saber que todo mundo tem direito, tem voz ativa e que você não é minoria, é mais uma voz. Depois, poder colocar a minha música e a minha arte em cima disso, sem ser rejeitada. Eles são dificeis, mas na hora da arte todo mundo é igual. Isso me deixa encantada.
Hoje vivemos no mundo da efêmero, desde os bens como um celular até a cultura, e você trabalha com músicas que têm uma vida longa e uma história. Como lidar com essa diferença?
O efêmero é ensinado. Te ensinam que um celular é descartável, assim como qualquer pessoa. O contrário também pode ser ensinado. Eu aprendi que não preciso ser efêmera. Eu posso construir alguma coisa ou valorizar meu celular, que é velhinho mas funciona ainda. É tudo uma questão de interesse. Eu posso cantar uma música de Villa-Lobos em português quando todo mundo esperava que eu cantasse Carmem Miranda, que todo mundo conhece, mas eu quero mostrar que o conteúdo é importante, assim como conhecer uma música brasileira, cantada por músicos eruditos, que é uma obra de arte. (Ibahia)
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